Entrevista com o Ir. Natalino de Souza, coordenador da área de Vida Consagrada e Laicato
Ir. Natalino Guilherme de Souza é, desde fevereiro, coordenador da Área de Vida Consagrada e Laicato. É graduado em Teologia pela FAJE (Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia) de Belo Horizonte, e mestre em Teologia Sistemática pela mesma faculdade. É professor de Teologia, assessor da Vida Religiosa e membro do GT de Espiritualidade da CLAR (Conferência Latinoamericana de Religiosos). Confira a seguir a entrevista.
UMBRASIL: De que modo a experiência do senhor em missões e trabalhos no exterior podem contribuir com objetivos relacionados à Internacionalidade, presentes no novo Plano Estratégico 2014-2021?
Ir. Natalino: Estou profundamente convencido de que a presença Marista no mundo não pode ser entendida senão a partir do dado da internacionalidade. Porém, não se deve confundir o fato de o Instituto ser uma realidade internacional com a vivência mesma da internacionalidade. São coisas diferentes. Podemos estar no mundo inteiro sem que a universalidade dos membros do Instituto seja um dado evidente. Inclusive, prefiro o termo universalidade à internacionalidade. A meu ver, a universalidade se apresenta mais como postura de vida ou força de convicção, enquanto a internacionalidade versa mais sobre elementos circunstanciais ou contingentes.
A Missão Marista sempre esteve informada de universalidade. É algo que vem das nossas origens. Marcelino não foi inconsequente quando afirmou que as dioceses do mundo inteiro entravam em nossos planos. Ele estava convencido de que o Carisma que Deus havia despertado no seu coração não podia estar circunscrito a um país ou cultura específicos. Era Dom de Deus e, consequentemente, um presente para o mundo.
Evidentemente, há Leigos(as) e Irmãos que vivem como se o mundo Marista fosse a sua casa. São mulheres e homens universais. Sinto-me feliz quando constato que componho as fileiras destes homens e mulheres. Confesso que as barreiras, de qualquer natureza, sempre me incomodaram. Elas interditam a riqueza dos outros e fomentam em nós posturas autorreferentes. Empobrecem-nos, enfim.
Neste sentido, quero crer que as experiências “de mundo” que trago comigo nos ajudarão a dar maior visibilidade à universalidade que nos constitui. Além de dilatar nosso horizonte acerca do mundo Marista e do potencial que ele nos dá quando falamos da nossa missão de tornar Jesus conhecido, amado e seguido.
Posso terminar pelo começo. A universalidade é mais uma força de convicção do que um projeto com metas e resultados. Não se pode mensurar a ação do Espírito em nós ou no Instituto. Pode-se, sim, fazer com que a universalidade contagie cada vez mais pessoas e se torne indispensável aos nossos projetos e ações. Dito de outra maneira: a universalidade não é o fim, mas o caminho que dará efetividade e validade à missão que trazemos em nossas mãos. É aqui que espero dar a minha contribuição.
UMBRASIL: No ano em que a Igreja celebra a Vida Consagrada, a UMBRASIL se propõe a ajudar a pensar um novo jeito de ser religioso. Como garantir esta dimensão e, ao mesmo tempo, potencializar a participação de Leigas e Leigos no Instituto Marista?
Ir. Natalino: A abertura do ano da Vida Consagrada, promovida pelo Papa Francisco, pode ser entendida como convite e alerta. O tema escolhido fala por si mesmo: “Vida Consagrada na Igreja hoje: Evangelho, Profecia e Esperança”. Ele implica inúmeros desdobramentos e incide sobre as formas e os conteúdos que os diversos carismas foram assumindo no mundo. Nós, Maristas, não estamos ilesos de tais desdobramentos. Propusemo-nos a pensar um “novo jeito de ser religioso”. Para fazê-lo, precisamos voltar às fontes e perceber a que novos caminhos nos conduz o Espírito. Voltar às fontes, vale lembrar, não significa idealizar nossas origens. Assim como trilhar novos caminhos não significa ir para “qualquer lugar”. Neste ponto, é bom evitar a ingenuidade e o anacronismo.
Atualmente, parece-me difícil que este “novo jeito” Marista nasça sem que levemos em conta elementos que já fazem parte da nossa realidade carismática e institucional. Entre eles, a bem-vinda presença laical entre nós talvez seja a mais fortemente destacada. Inúmeros Leigos e Leigas que compunham até então o tecido institucional começam a entender sua vida e missão em perspectiva vocacional. Sentem-se chamados(as) por Deus a realizar a Sua obra no mundo. E querem fazê-lo como Maristas. Não seria exagero afirmar que já não podemos pensar o “novo jeito” de ser Irmãos sem o “novo jeito” de ser Leigo e Leiga Marista e vice-versa. A realidade atual do Instituto não se limita a indicadores numéricos, é verdade. Mas é igualmente verídico o fato de que, embora o número de Irmãos tenha decrescido nas últimas décadas, a missão Marista continua em plena expansão. Este fato tem relação direta com a vocação laical Marista de que falamos acima e precisa ser acolhido como sinal dos tempos.
Outro elemento, já destacado na pergunta anterior, diz respeito à universalidade dos membros do Instituto. Parece imprudente que sigamos pensando a vida e a missão Maristas de forma monocultural e fragmentada. A pluriculturalidade e a unidade não atentam contra a identidade local ou regional. Esta oposição simplista não resiste à crítica lúcida e às experiências mais profundas de fé. Assim como o Evangelho, o Carisma é UNO, mas multidimensional. E é dessa pluralidade de formas de se viver a unidade do Carisma que se constitui a vida Marista.
Por fim, o ano da Vida Consagrada só tem sentindo se entendido como convite de retorno ao Evangelho. Este supõe e engloba os outros dois elementos do Lema escolhido pelo Papa Francisco: Profecia e Esperança. O retorno ao Evangelho – e, por Ele, à pessoa de Jesus – é o único movimento que nos fará homens e mulheres de Deus, sinais de vida e de esperança para o mundo. Contudo, temos ainda a dimensão de alerta que anunciamos no início destes parágrafos. É o Evangelho – e só Ele – que nos fará alcançar os objetivos que o Papa traçou para este ano de celebração: “olhar para o passado com gratidão, viver o presente com paixão e abraçar o futuro com esperança”. No caso do nosso Instituto, fica claro que estes objetivos dizem respeito aos Maristas de Champagnat, Irmãos, Leigos e Leigas e ao “novo jeito de ser Maristas” que decorre desta relação.